Por: Renata Mello
PORTUGUÊS
Este texto traz como desafio a reflexão sobre cultura, identidade e suas relações com o momento atual da globalização, onde as fronteiras comerciais e políticas estão mais abertas, permitindo maior intercâmbio entre os diferentes povos e seus costumes.
É importante saber que a palavra CULTURA vem do Latim e significa CULTIVO, sendo associada: a terra; ao desenvolvimento intelectual do indivíduo; as práticas comuns de um determinado grupo de pessoas; bem como a âmbitos religiosos, como o culto a Deus. Este termo abrange três linhas de atuação humana: a técnica (fazer), a prática (trabalhar) e a teoria (saber), segundo conceitos defendidos pela filósofa Remei Agullles Simó.
Através da cultura, o Homo Sapiens pôde criar meios de se adaptar ao meio natural e sobreviver de forma peculiar em relação aos demais animais do planeta. Desta forma, é possível afirmar que a natureza do Ser Humano se caracteriza pela associação de sua PARTE BIOLÓGICA ASSOCIADA AOS SEUS CULTIVOS – CULTURA.
Dependendo das demandas locais, das variáveis climáticas, das ofertas de alimentos, cada grupo de indivíduos foi se adaptando e criando gastronomias próprias, organizações sociais específicas, expressões artísticas singulares que estes julgavam serem as ideais para suas existências.
Somado a isso, o homem criou sistemas de signos através de mitos, linguagem, arte, ciência, religião e história, levando o filósofo alemão, Ernst Cassirer (1874-1945), a classificar o homem como “o animal simbólico”.
Estes códigos são de suma importância no processo de IDENTIDADE e PERTENCIMENTO das pessoas a um grupo ou nação, pois elas comungam de um mesmo idioma, de hábitos alimentares semelhantes, de crenças e expressões artísticas que refletem o seu mundo interior.
Tais códigos culturais são transmitidos através da educação formal e informal, perpetuando ao longo do tempo, as práticas linguísticas, as condutas sociais ou mesmo as festas populares. Esse processo, no entanto, não é estático, podendo se transformar pela adoção de novos valores e interesses ou mesmo com a chegada de imigrantes, que aportam outros costumes.
Um exemplo recente e ainda polêmico na Espanha está relacionado com as práticas de touradas. É curioso conhecer um pouco desta história e saber que os touros[1] eram considerados um símbolo de fertilidade pelos povos antigos do Mediterrâneo. Desta forma, as caçadas ocorriam antes dos matrimônios, quando o noivo matava o animal como pressagio de união próspera.
Ao longo dos séculos essa prática se consolidou na região Ibérica e no ano de 1135, começou a mudar a proposta original. Neste momento, passou a contar com a presença de um nobre toureiro em seu cavalo, alguns assistentes e o touro. Somente no século XVIII que esta ação cultural se popularizou entre as classes sociais menos abastadas. Tendo como auge, o início do século XX, onde se transforma em paixão e identidade nacional.
No entanto, no século XXI, os valores de parte dos espanhóis mudaram. Os jovens principalmente começaram a lutar contra os maus tratos destes animais[2], conseguindo extinguir esta prática secular de muitas cidades espanholas ou por vezes coibindo ações agressivas a esses animais. Em Barcelona, por exemplo, a antiga “Plaza de Toros” agora abriga um moderno Shopping, deixando somente a arquitetura exterior como registro de sua antiga atividade cultural.
Fonte da imagem: Pixabay – 2019
No que tange a imigração como forma de transformação cultural cabe também observar o caso de Barcelona. Desde 1992 com os Jogos Olímpicos, esta cidade veio se abrindo mais para os estrangeiros. Hoje é considerada a nona[3] capital cultural Europeia que recebe pessoas de todas as partes do mundo.
Por essa abertura, é possível facilmente encontrar caminhando por suas ruas, restaurantes de comida oriental, italiana, argentina, brasileira que vem somar aos hábitos gastronômicos já existentes. Existe a possibilidade de comer pratos típicos espanhóis cheios de frutos do mar, como a “paella”, mas também é ofertado sushi ou sashimi, próprio dos costumes japoneses.
A troca entre culturas não é uma novidade advinda da GLOBALIZAÇÃO[4]. Ao longo dos séculos, muitas pessoas migraram de seus países de origem devido a problemas climáticos, guerras, escassez de alimentos ou de água, sempre na esperança de melhores condições de vida.
E esse intercâmbio sempre aportou positivamente as culturas que as receberam, no entanto, o que se questiona atualmente é a intensidade da troca. O intercâmbio cultural não ocorre somente com a chegada dos imigrantes, mas também pelos meios de comunicação massivos, bem como pela entrada de importantes empresas transnacionais, que empregam seus produtos e costumes principalmente em países menos desenvolvidos do mundo ocidental.
Os interesses políticos e econômicos estão a frente deste processo atual. No final do século XX e início do século XXI surge uma nova forma de dominação cultural, aquela que se instala lentamente através dos bens de consumo e das mídias, influenciando as dinâmicas culturais locais sem precedentes. Quais serão os impactos dessa influência econômica global sobre as culturas locais? A humanidade perderá suas singularidades em detrimento dos interesses financeiros de algumas nações? Fica algumas perguntas para reflexão.
É válido lembrar que essas diferenças de hábitos, costumes e crenças são patrimônio da humanidade e compõe a multiplicidade cultural. Cada nação se caracteriza por suas singularidades, contendo soluções distintas que podem ser percebidas ao transitar pelos diversos territórios do Planeta. Desta forma, caberá pesquisas acadêmicas e reflexões mais profundas sobre a globalização e suas influencias dentro das culturas locais, na ânsia por soluções que visem uma troca equilibrada e saudável entre as nações.
[1] Fonte: https://super.abril.com.br/saude/como-surgiu-a-tourada/. Acesso em 29/12/2018.
[2] Fonte: Lei na Espanha restringe violência nas touradas – https://oglobo.globo.com/sociedade/lei-na-espanha-restringe-violencia-nas-touradas-21644468 . Acesso em 29/12/2018.
[3] Fonte: https://www.elperiodico.com/es/barcelona/20180402/clasificacion-capitales-culturales-europa-barcelona-madrid-6730105. Acesso em 29/12/2018.
[4] A Globalização é um termo elaborado na década de 1980 para descrever o processo de intensificação da integração econômica e política internacional, marcado pelo avanço nos sistemas de transporte e de comunicação. Fonte: https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/geografia/o-que-e-globalizacao.htm. Acesso em 29/12/2018.